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Ius Omnibus v Mastercard

Estado do Caso:

A Decorrer

No dia 2 de Dezembro de 2020, deu entrada no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão uma ação popular intentada pela Ius Omnibus, uma associação de defesa dos consumidores, que pretende a indemnização de todos os consumidores portugueses lesados por práticas anticoncorrenciais da Mastercard, identificadas pela Comissão Europeia.

Em caso de sucesso, a ação levará a Mastercard a pagar compensações num total estimado de mais de 400 milhões EUR, resultando num direito de indemnização média por cada consumidor português de cerca de 40 EUR.

Notícias

22 janeiro 2021 Tribunal notifica consumidores do caso Ius Omnibus v Mastercard

19-21 janeiro 2021 Tribunal envia citação das Rés 

4 janeiro 2021 Tribunal notifica o Ministério Público

17 dezembro 2020 Tribunal confirma a admissão da ação popular e ordena a citação das Rés e a notificação dos consumidores (por anúncios de jornais), do Ministério Público e da Autoridade da Concorrência

Detalhes do Caso

Qual o objeto da ação?

Trata-se de uma ação popular para defesa de interesses difusos e individuais homogéneos, intentada pela Ius Omnibus (associação de defesa dos consumidores).

É uma ação de defesa da concorrência e de indemnização por danos causados a consumidores por práticas anticoncorrenciais da Mastercard, violadoras do artigo 101.º do TFUE e do artigo 9.º da Lei da Concorrência (e normas antecessoras correspondentes), intentada ao abrigo da Lei da Ação Popular (Lei n.º 83/95) e da nova Lei do Private Enforcement da concorrência (Lei n.º 23/2018).

Quais os comportamentos ilícitos da Mastercard em causa nesta ação?

A ação baseia-se em dois comportamentos da Mastercard identificados em duas decisões da Comissão Europeia.

Simplificando, a Mastercard:

  • adotou regras da rede Mastercard que fizeram com que saísse mais caro do que devia aos portugueses comerciantes aceitar cartões Mastercard e Maestro em transações domésticas (portuguesas); e
  • fixou preços demasiado elevados para transações com cartões de fora do EEE.

Numa primeira decisão, de 22 de janeiro de 2019 (AT.40049 Mastercard II), a Comissão Europeia aplicou à Mastercard uma multa de 507,5 milhões EUR. A Mastercard confessou e não recorreu desta decisão.

Tal como identificado nesta Decisão da Comissão Europeia, entre 27 de fevereiro de 2014 e 8 de dezembro de 2015, a Mastercard restringiu o acesso dos comerciantes a serviços transfronteiriços na União Europeia de pagamentos com cartões Mastercard e Maestro, de crédito e de débito, para levantamentos e transações presenciais e à distância. Na prática, as regras Mastercard fizeram com que os comerciantes portugueses não pudessem ter acesso a preços mais baixos de serviços de cartões de pagamento oferecidos noutros Estados-membros da UE.

A Ius Omnibus pretende ainda provar que o comportamento da Mastercard identificado pela Comissão Europeia já se verificava pelo menos desde 2000. E que também afetou as transações com cartões de empresas.

Esta decisão da Comissão Europeia cria uma presunção inilidível de que ocorreu a infração. Isto significa que o comportamento ilícito identificado já está provado para efeitos da presente ação.

Numa segunda decisão, de 29 de abril de 2019 (mesmo processo), a Comissão Europeia aceitou a proposta de compromissos feita pela Mastercard, para afastar outras infrações concorrenciais identificadas.

Neste caso, a Mastercard cobrou comissões interbancárias multilaterais demasiado altas para transações em Portugal (na UE) com cartões Mastercard e Maestro, de crédito e de débito, emitidos fora do Espaço Económico Europeu (transações interregionais), para transações presenciais e à distância. O comportamento só terminou a 29 de outubro de 2019. A Ius Omnibus pretende ainda provar que se verificou pelo menos desde 2000. E que também afetou as transações com cartões de empresas.

De acordo com a jurisprudência europeia, a análise preliminar pela Comissão Europeia, que antecedeu a decisão de compromissos, cria uma presunção ilidível de que esta infração existia (cabe à Mastercard provar que o ilícito não existiu).

Quem é representado nesta ação?

São automaticamente representados nesta ação popular todos os consumidores residentes em Portugal. Ou seja, são representadas todas as pessoas singulares que viveram em Portugal durante pelo menos parte do período em que se verificaram estas práticas anticoncorrenciais (2000 a 2019).

Os consumidores não têm de fazer nada para serem representados e para terem direito a indemnização em caso de sucesso da ação.

Qualquer consumidor que não deseje ser representado nesta ação, pode exercer o direito de opt-out, comunicando essa intenção ao tribunal. Os consumidores poderão também decidir intervir no processo em apoio da Ius Omnibus.

Como é que os consumidores portugueses foram lesados pelas práticas anticoncorrenciais da Mastercard?

Os comportamentos anticoncorrenciais da Mastercard fizeram com que os comerciantes portugueses que aceitavam cartões Mastercard e Maestro pagassem mais pelos serviços de aceitação destes cartões (aquisição) do que teriam pago na ausência daquelas práticas ilícitas.

Até 2015, quando a UE regulou diretamente os preços destes serviços, Portugal era um dos países da UE em que estes serviços eram mais caros.

Este sobrepreço causado por aquelas práticas anticoncorrenciais foi depois passado pelos comerciantes aos seus clientes. São sempre os consumidores que acabam por suportar os aumentos de custos deste tipo para todo o mercado.

Ao passarem estes custos acrescidos aos seus clientes, os comerciantes não puderam discriminar entre quem pagava com cartões Mastercard, com cartões doutros tipos, em dinheiro, ou com qualquer outro meio de pagamento.

Isto significa que todos os consumidores portugueses foram afetados pelas práticas anticoncorrenciais da Mastercard, através do aumento dos preços dos produtos e serviços que adquiriram, independentemente do modo como os pagaram.

O que se pede nesta ação?

A Ius Omnibus pede que se declare que a Mastercard violou continuamente o direito da concorrência europeu e português, entre 2000 e 2019.

Pede-se que a Mastercard seja condenada a indemnizar os consumidores representados na presente ação pelos danos que sofreram em resultado destas infrações. Estes danos são equivalentes ao sobrepreço dos serviços de aquisição de transações com cartões Mastercard, sobrepreço esse que lhes foi transmitido ao longo da cadeia vertical, com atualização monetária e acrescidos de juros.

Qual a indemnização a que os consumidores terão direito?

O valor da indemnização dependerá do âmbito dos comportamentos anticoncorrenciais que vier a ser considerado provado pelo tribunal. A Ius Omnibus estima que os dois comportamentos em causa, entre 2000 e 2019, causaram aos consumidores portugueses danos totais de, pelo menos, 400 milhões EUR (quatrocentos milhões de euros) – valor da indemnização global a ser paga pela Mastercard.

O valor da indemnização individual a que cada consumidor terá direito dependerá do valor da indemnização global que seja determinada pelo tribunal e das características de cada tipo de consumidor. Um consumidor que tenha feito mais compras foi mais lesado do que um que tenha feito menos. Em média, caso se confirme a estimativa da indemnização global feita pela Ius Omnibus, cada consumidor representado terá a reaver, em média, 40 EUR (quarenta euros).

Estes valores não incluem atualização à taxa de inflação, nem juros vencidos ou vincendos até integral pagamento, que acrescem aos montantes referidos.

Como funciona a ação popular e a indemnização dos consumidores?

O mecanismo de indemnização em massa dos consumidores aqui utilizado, previsto nas regras portuguesas da ação popular, nunca foi testado na prática, até ao último passo. No entanto, de acordo com a lei, passar-se-á o seguinte se o tribunal der razão à Ius Omnibus:

  • o tribunal fixará o montante global da indemnização a ser paga pela Mastercard aos consumidores, a ser depositado num fundo de indemnização;
  • o tribunal decidirá como identificar os consumidores lesados e como calcular a quanto cada consumidor tem direito, e o que deve apresentar para reclamar a sua indemnização;
  • o tribunal designará uma entidade responsável pela gestão do fundo de indemnização, incluindo a receção, gestão e pagamento das indemnizações aos consumidores lesados e a apresentação de relatórios ao Tribunal;
  • o tribunal fixará um prazo razoável para os consumidores pedirem a sua parte da indemnização, e isto será publicitado de vários modos;
  • os consumidores terão de contactar a entidade que gere o fundo de indemnização e enviar as provas decididas pelo tribunal e instruções de pagamento, para receberem a sua parte da indemnização (sem terem de contribuir com qualquer parte dos custos da ação);
  • no fim do prazo legalmente estabelecido, sobrando uma parte da indemnização global que não foi solicitada por consumidores:
    • usar-se-á esse montante para pagar as despesas incorridas pela Ius Omnibus por força da ação; e
    • o que sobrar será entregue ao Ministério da Justiça, para ser afeto ao apoio no acesso ao direito e à justiça, incluindo a promoção de ações populares.

Há outras ações deste tipo na Europa contra a Mastercard?

Há poucas ações como esta na Europa contra a Mastercard. A maioria dos países tem leis muito restritivas do modo como os direitos dos consumidores podem ser defendidos em tribunal. A grande maioria dos Estados não permite, como em Portugal, que uma associação peça indemnizações para todos os consumidores lesados (no sistema dito de opt-out).

No Reino Unido, que permite o opt-out, encontra-se pendente uma ação contra a Mastercard com base numa decisão anterior da Comissão Europeia, pedindo-se a indemnização dos consumidores em danos no montante total de vários milhares de milhões de euros (Merricks v Mastercard).

Como é financiada a presente ação?

Preparar uma ação deste tipo de modo adequado e que permita alcançar o seu sucesso é extremamente dispendioso, envolvendo a contratação de advogados, economistas e consultores especializados. O sucesso da ação está dependente de se tratar adequadamente matéria factual ampla e muito técnica e uma área do conhecimento jurídico-económica extremamente complexa, bem como de conseguir reagir eficazmente aos recursos financeiros e humanos avultados que vão ser utilizados pelo outro lado, que beneficia ainda de uma profunda assimetria informativa.

A falta de recursos financeiros das associações de defesas dos consumidores é um dos fatores, senão mesmo o principal, que explica a razão pela qual estes mecanismos legais não têm sido mais utilizados. Com efeito, não existindo por enquanto fundos públicos disponíveis para financiar ações populares deste género, é impossível a um consumidor individual ou a uma associação de consumidores assumir os custos de várias centenas de milhares de euros que estão inevitavelmente em causa nestas ações.

A única maneira de se conseguir promover uma ação deste tipo é a de obter financiamento para o contencioso. Esta prática do dito litigation funding é já recorrente noutros Estados-membros da União Europeia e começa agora a ser utilizada em Portugal. Foi o litigation funding que permitiu organizar uma ação opt-out de indemnização de consumidores contra a Mastercard no Reino Unido. O Competition Appeal Tribunal do Reino Unido confirmou que a ação teria sido impossível sem esse financiamento e que, portanto, recusar a possibilidade de tal financiamento e a remuneração do financiador seria recusar o acesso à justiça e o exercício dos direitos em causa.

A presente ação é financiada pela Nivalion, o maior financiador de contencioso com sede na Europa Continental.

O financiador assume todos os custos do contencioso da Ius Omnibus e corre todos os riscos. Só recuperará o seu investimento se a ação tiver sucesso, se e na medida em que o tribunal o autorizar, e se sobrar montante suficiente da indemnização global para tal, depois da distribuição aos consumidores que o solicitem. Com estas condições, a Ius Omnibus compromete-se a devolver ao financiador o dinheiro que investiu, mais uma remuneração justa pelo risco e tempo de indisponibilidade do capital, cuja proporcionalidade será avaliada e controlada pelo tribunal.

O acordo de financiamento garante a prevenção do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo e a transparência perante o tribunal quanto à proveniência dos fundos.

Este modelo de financiamento garante que os consumidores não terão de suportar quaisquer custos com a prossecução desta ação e que qualquer consumidor que peça a sua parte da indemnização no final do processo terá direito a 100% da sua indemnização.

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