Avançar para o conteúdo

Ius Omnibus v Super Bock

Estado do Caso:

A Decorrer

No dia 14 de Dezembro de 2020, deu entrada no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão uma ação popular intentada pela Ius Omnibus, uma associação de defesa dos consumidores, que pretende a indemnização de todos os consumidores portugueses lesados por práticas anticoncorrenciais da Super Bock, identificadas pela Autoridade da Concorrência.

Em caso de sucesso, a ação levará a Super Bock a pagar compensações num total estimado de cerca de 400 milhões EUR, resultando num direito de indemnização média por cada consumidor português de cerca de 40 EUR.

A Ius Omnibus é representada pela Sousa Ferro & Associados e pela Ferreira Pinto Cardigos

A Super Bock é representada pela Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados e pela Telles Advogados.

Notícias

Ius Omnibus enaltece Tribunal de Relação de Lisboa que condena a Super Bock a pagar coima de 24 milhões

21 de setembro 2023 O Tribunal da Relação de Lisboa rejeita integralmente o recurso da Super Bock, assim confirmando integralmente a Sentença do Tribunal da Concorrência que declarou a violação do direito da concorrência pela Super Bock (que está na base desta ação popular)

20 fevereiro 2023 O Tribunal da Relação de Lisboa rejeita o recurso da Super Bock e confirma a suspensão da ação popular para aguardar desfecho do recurso da Decisão da AdC [PDF]

12 julho 2022 Tribunal ordena a preservação da prova pela Ré e pelos terceiros (acionistas) enquanto o processo estiver suspenso. 

25 maio 2022 Confirma a legitimidade da Ius Omnibus para promover ações populares de indemnização dos consumidores por práticas anticoncorrenciais e ordena suspensão do processo até o recurso da decisão da Autoridade da Concorrência se tornar caso julgado

06 outubro 2021 Tribunal confirma a decisão da Autoridade da Concorrência de julho de 2019

02 julho 2021 Relação de Lisboa dá razão à Ius no direito de acesso a processo judicial

25 maio 2021 Super Bock notifica Ius Omnibus da contestação

26 janeiro 2021 Super Bock alega nulidade da citação e pede sua repetição, pede prorrogação do prazo de Contestação por mais 60 dias.

19 janeiro 2021 Tribunal notifica o Ministério Público

18 janeiro 2021 Tribunal notifica consumidores do caso Ius Omnibus v Super Bock

18 janeiro 2021 Tribunal notifica Autoridade da Concorrência

08 janeiro 2021 Tribunal envia citação da Ré, recebida a 20 de janeiro de 2021

Detalhes do Caso

Sobre a Super Bock

A Super Bock é uma grande empresa portuguesa do setor das bebidas, um dos dois oligopolistas do mercado português da cerveja, comercializando marcas líderes de cerveja (Super Bock, Carlsberg), sidra (Somersby), águas (Água das Pedras, Vitalis) e outras.

60% do capital social da Super Bock é direta e indiretamente detido pela Carlsberg Breweries A/S (Dinamarca).

Qual o objeto da ação?

Trata-se de uma ação popular para defesa de interesses difusos e individuais homogéneos, intentada pela Ius Omnibus (associação de defesa dos consumidores).

É uma ação de defesa da concorrência e de indemnização por danos causados a consumidores por práticas anticoncorrenciais da Super Bock, violadoras do artigo 101.º do TFUE e do artigo 9.º da Lei da Concorrência (e normas antecessoras correspondentes), intentada ao abrigo da Lei da Ação Popular (Lei n.º 83/95) e da nova Lei do Private Enforcement da concorrência (Lei n.º 23/2018).

Os comportamentos da Super Bock num contexto mais amplo

A Super Bock já foi condenada 3 vezes por violar o direito da concorrência, sempre por causa de condutas que se reconduziam à imposição de preços de revenda aos seus distribuidores (“RPM”):

  1. Decisão do Conselho da Concorrência de 16/12/1985: identificou cláusulas de RPM nos contratos usados há vários anos pela Super Bock;

  2. Decisão do Conselho da Concorrência de 13/07/2000: concluiu que as práticas de RPM da Super Bock não tinham cessado desde 1985;

  3. Decisão da Autoridade da Concorrência de 24/07/2019: identificou práticas similares de RPM da Super Bock, no canal HORECA, encontrando provas para o período entre 15 de maio de 2006 e 23 de janeiro de 2017, e impôs uma multa de 24 milhões de EUR.

De acordo com estas decisões, a Super Bock tem, desde há décadas, atuado ilicitamente no mercado, contínua e sistematicamente, impondo preços de revenda aos seus distribuidores e prejudicando os consumidores, apesar de as autoridades portuguesas as terem condenado por estas práticas. A Super Bock continua a recusar admitir que alguma vez se tenha comportado deste modo, nunca compensou os consumidores pelos danos que lhes causou, e está a fazer tudo por tudo para não os compensar e eximir-se às suas responsabilidades.

As práticas de RPM da Super Bock, aparentemente, não se limitam ao canal HORECA. A 22 de março de 2019, a Autoridade da Concorrência anunciou que acusou a Super Bock de, entre 2003 e 2017, coordenar com 4 grandes retalhistas nacionais os preços a que estes vendiam os seus produtos, reduzindo a concorrência entre estes e levando a aumentos de preços para os consumidores. Ainda não foi anunciada a adoção da decisão final da Autoridade da Concorrência neste caso.

Quais os comportamentos ilícitos da Super Bock em causa nesta ação?

A ação baseia-se nos comportamentos de fixação de preços de revenda no canal HORECA pela Super Bock identificados na recente decisão da Autoridade da Concorrência. De acordo com esta decisão de 24 de julho de 2019 (cujo recurso se encontra pendente), a Super Bock, em todo o território nacional, ininterruptamente durante onze anos, de 15 de maio de 2006 a 23 de janeiro de 2017:

  1. ao nível grossista, fixou, por meios diretos e indiretos, os preços e outras condições de transação aplicáveis à revenda dos seus produtos (cervejas, sidras, águas – lisas e com gás, sem sabor –, refrigerantes, iced tea, vinhos tranquilos, sangrias) por uma rede de distribuidores independentes no canal HORECA;

  2. ao nível retalhista, fixou, por meios diretos e indiretos os preços de venda dos seus produtos no canal HORECA (PVP no canal HORECA);

  3. monitorizou regularmente o respeito por estas condições de revenda que fixava; e

  4. ameaçou retaliações e retaliou de facto contra distribuidores que não respeitassem as condições de revenda que fixava.

Este comportamento teve por consequência aumentar os preços que os consumidores pagaram pelas bebidas da Super Bock no canal HORECA (em restaurantes, cafés, bares, hotéis…), durante 11 anos.

Entre as provas recolhidas pela Autoridade da Concorrência, contam-se inúmeras trocas de mensagens entre trabalhadores da Super Bock ou entre estes e os seus distribuidores com conteúdos tais como os que se seguem:

  • “este não é o preço acordado e neste caso os distribuidores não podem vender, fechar a torneira e já…” (24/01/2007)

  • “Já estou farto desta conversa, portanto as regras são as seguintes: Ou o Distribuidor pratica os preços que nós indicamos e estamos a praticar, ou não há mais reposições. As deste mês já eram. Lamento, mas ando a perder demasiado tempo com estas merdas, ou controlamos os Distribuidores ou não vale a pena. Todos queremos vender, mas as regras são iguais para todos, sem excepção” (28/06/2007).

  • “Foi novamente definido o preço mínimo para revenda pela rede de distribuição de SB 0,33 TR [0-1]” (12/02/2008).

  • “Aqui vai os preços de revenda, é proibido fazer mais descontos que estes, pois no final do mês vai ser preciso comparar com facturas” (31/03/2009).


Embora a Decisão da Autoridade da Concorrência se tenha limitado a identificar o comportamento da Super Bock durante aqueles onze anos (devido à prova recolhida), há evidências de que a prática já ocorria anteriormente, e não há qualquer evidência de que a Super Bock tenha alterado as suas práticas após 23 de janeiro de 2017.

Na ação alega-se e procurar-se-á provar que as práticas em causa já ocorriam anteriormente, pelo menos desde 2000, em todo o território nacional, e que continuaram após 23 de janeiro de 2017, persistindo até ao presente, e que provavelmente continuarão durante todo ou algum do tempo de pendência da ação.

Quem é representado nesta ação?

São representados nesta ação popular todos os consumidores residentes em Portugal. Ou seja, são representadas todas as pessoas singulares que viveram em Portugal durante pelo menos parte do período em que se verificaram estas práticas anticoncorrenciais (2000 a 2020).

Se é um/a consumidor/a que residia em Portugal e comprou uma cerveja Super Bock, uma sidra Somersby, uma Água das Pedras, etc., durante este período num bar, restaurante, café ou hotel, está automaticamente representado/a.

Os consumidores não têm de fazer nada para serem representados e para terem direito a indemnização em caso de sucesso da ação.

Qualquer consumidor que não deseje ser representado nesta ação, pode exercer o direito de opt-out, comunicando essa intenção ao tribunal. Os consumidores poderão também decidir intervir no processo em apoio da Ius Omnibus.

Como é que os consumidores portugueses foram lesados pelas práticas anticoncorrenciais da Super Bock?

Os comportamentos anticoncorrenciais da Super Bock reduziram a concorrência entre grossistas e entre retalhistas que vendiam produtos da Super Bock no canal HORECA, causando um aumento dos preços destes produtos.

Todos os consumidores residentes em Portugal que compraram produtos Super Bock em bares, cafés, restaurantes, hotéis, etc., entre 2000 e 2020, foram afetados pelas práticas anticoncorrenciais da Super Bock, no sentido em que pagaram mais por esses produtos do que teriam pago se a Super Bock tivesse respeitado a lei.

Ainda será determinado o preciso montante de aumento de preços causado pelas práticas ilegais da Super Bock. Mas note-se que, entre 2008 e 2014, os preços mínimos de revenda fixados pela SB para cerveja Super Bock 0,33 no canal HORECA aumentaram 30%, enquanto os custos de produção da Super Bock no mesmo período aumentaram apenas 6%. Ou seja, o preço deste produto aumentou mais 24% do que seria justificado pelo aumento de custos.

O que se pede nesta ação?

A Ius Omnibus pede que se declare que a Super Bock violou continuamente, entre 2000 e 2020, e viola ainda o direito da concorrência europeu e português, causando danos direta e indiretamente aos consumidores que adquiriram produtos da Super Bock no canal HORECA em Portugal.

Pede-se que a Super Bock seja condenada a pôr termo a estes comportamentos anticoncorrenciais e a indemnizar os consumidores representados pelos danos que sofreram em resultado destas práticas, correspondentes ao montante do aumento dos preços dos produtos que adquiriram provocado pelo comportamento anticoncorrencial da Super Bock, atualizado para atender à inflação e acrescido de juros.

Qual a indemnização a que os consumidores terão direito?

O valor da indemnização dependerá do âmbito dos comportamentos anticoncorrenciais que vier a ser considerado provado pelo tribunal. A Ius Omnibus estima que os dois comportamentos em causa, entre 2000 e 2019, causaram aos consumidores portugueses danos totais de 401 milhões EUR (quatrocentos e um milhões de euros) – valor da indemnização global a ser paga pela Super Bock.

O valor da indemnização individual a que cada consumidor terá direito dependerá do valor da indemnização global que seja determinada pelo tribunal e das características de cada tipo de consumidor. Um consumidor que tenha comprado mais bebidas da Super Bock no canal HORECA foi mais lesado do que um que tenha comprado menos. Em média, caso se confirme a estimativa da indemnização global feita pela Ius Omnibus, cada consumidor representado terá a reaver, em média, cerca de 40 EUR (quarenta euros).

Estes valores não incluem juros vencidos ou vincendos até integral pagamento, que acrescem aos montantes referidos.

Como funciona a ação popular e a indemnização dos consumidores?

O mecanismo de indemnização em massa dos consumidores aqui utilizado, previsto nas regras portuguesas da ação popular, nunca foi testado na prática, até ao último passo. No entanto, de acordo com a lei, passar-se-á o seguinte se o tribunal der razão à Ius Omnibus:

  • o tribunal fixará o montante global da indemnização a ser paga pela Super Bock aos consumidores, a ser depositado num fundo de indemnização;

  • o tribunal decidirá como identificar os consumidores lesados e como calcular a quanto cada consumidor tem direito, e o que deve apresentar para reclamar a sua indemnização;

  • o tribunal designará uma entidade responsável pela gestão do fundo de indemnização, incluindo a receção, gestão e pagamento das indemnizações aos consumidores lesados e a apresentação de relatórios ao Tribunal;

  • o tribunal fixará um prazo razoável para os consumidores pedirem a sua parte da indemnização, e isto será publicitado de vários modos;

  • os consumidores terão de contactar a entidade que gere o fundo de indemnização e enviar as provas decididas pelo tribunal e instruções de pagamento, para receberem a sua parte da indemnização (sem terem de contribuir com qualquer parte dos custos da ação);

  • no fim do prazo legalmente estabelecido, sobrando uma parte da indemnização global que não foi solicitada por consumidores: 
    • usar-se-á esse montante para pagar as despesas incorridas pela Ius Omnibus por força da ação; e
    • o que sobrar será entregue ao Ministério da Justiça, para ser afeto ao apoio no acesso ao direito e à justiça, incluindo a promoção de ações populares.

Há outras ações deste tipo em Portugal?

As ações deste tipo têm sido, até agora, extremamente raras em Portugal (como, aliás, em toda a Europa). A maioria dos países tem leis muito restritivas do modo como os direitos dos consumidores podem ser defendidos em tribunal. A grande maioria dos Estados não permite, como em Portugal, que uma associação peça indemnizações para todos os consumidores lesados (no sistema dito de opt-out).

As leis portuguesas são muito protetoras dos consumidores, mas têm sido pouco aplicadas, em parte devido a interpretações adotadas por alguns tribunais de 1ª instância dos mecanismos previstos na lei e ao tempo que os processos demoram, mas sobretudo devido ao facto de, até à recente alteração da lei, não ser claro que o promotor da ação popular pudesse reaver as suas despesas de promoção da ação, tornando absolutamente inviável promover ações complexas como estas.

Tanto quanto sabemos, só há dois outros exemplos em Portugal de ações populares de defesa dos consumidores lesados por práticas anticoncorrenciais: (i) uma ação contra a Sport TV, promovida pelo Observatório da Concorrência, que está pendente há 5 anos e meio perante o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa; e (ii) uma ação contra a Mastercard, promovida pela Ius Omnibus, que foi intentada há poucos dias no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão.

Como é financiada a presente ação?

Preparar uma ação deste tipo de modo adequado e que permita alcançar o seu sucesso é extremamente dispendioso, envolvendo a contratação de advogados, economistas e consultores especializados. O sucesso da ação está dependente de se tratar adequadamente matéria factual ampla e muito técnica e uma área do conhecimento jurídico-económica extremamente complexa, bem como de conseguir reagir eficazmente aos recursos financeiros e humanos avultados que vão ser utilizados pelo outro lado, que beneficia ainda de uma profunda assimetria informativa.

A falta de recursos financeiros das associações de defesas dos consumidores é um dos fatores, senão mesmo o principal, que explica a razão pela qual estes mecanismos legais não têm sido mais utilizados. Com efeito, não existindo por enquanto fundos públicos disponíveis para financiar ações populares deste género, é impossível a um consumidor individual ou a uma associação de consumidores assumir os custos de várias centenas de milhares de euros que estão inevitavelmente em causa nestas ações.

A única maneira de se conseguir promover uma ação deste tipo é a de obter financiamento para o contencioso. Esta prática do dito litigation funding é já recorrente noutros Estados-membros da União Europeia e começa agora a ser utilizada em Portugal. Foi o litigation funding que permitiu organizar uma ação opt-out de indemnização de consumidores contra a Mastercard no Reino Unido. O Competition Appeal Tribunal do Reino Unido confirmou que a ação teria sido impossível sem esse financiamento e que, portanto, recusar a possibilidade de tal financiamento e a remuneração do financiador seria recusar o acesso à justiça e o exercício dos direitos em causa.

A presente ação é financiada pela Augusta, um financiador de contencioso com sede no Reino Unido.

O financiador assume todos os custos do contencioso da Ius Omnibus e corre todos os riscos. Só recuperará o seu investimento se a ação tiver sucesso, se e na medida em que o tribunal o autorizar, e se sobrar montante suficiente da indemnização global para tal, depois da distribuição aos consumidores que o solicitem. Com estas condições, a Ius Omnibus compromete-se a devolver ao financiador o dinheiro que investiu, mais uma remuneração justa pelo risco e tempo de indisponibilidade do capital, cuja proporcionalidade será avaliada e controlada pelo tribunal.

O acordo de financiamento garante a prevenção do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo e a transparência perante o tribunal quanto à proveniência dos fundos.

Este modelo de financiamento garante que os consumidores não terão de suportar quaisquer custos com a prossecução desta ação e que qualquer consumidor que peça a sua parte da indemnização no final do processo terá direito a 100% da sua indemnização.

Recursos

20.02.2023: Acordão [PDF]

25.05.2022: Audiência prévia (despacho saneador) [PDF]

Contacte-nos

Acredita que foi afetado pelos eventos descritos neste caso? Entre em contacto connosco utilizando o formulário abaixo e responderemos o mais breve possível.